segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Sobre dias chuvosos...



Sempre tive uma relação amorosa com a chuva. Gosto tanto dela que chego a sentir que faz parte de mim. Acho que ela é mágica e possui diferentes faces. Hoje, enquanto escrevo estas linhas, está calma, fria e cinzenta. E quando de uso dessa face, tem o poder de abrir uma porta imaginária e deixar o passado entrar – como um mágico ser. Comigo sempre acontece isso!

E a primeira lembrança que hoje adentrou por essa porta, foi a dos banhos de chuva de criança... Tempo em que me encharcava sem medo de resfriado, gripe, pneumonia... Doces tempos em que os medos que tínhamos eram, por exemplo, apenas do chinelo da mãe, que aparecia magicamente quando entrávamos em casa em pleno estado líquido.

Outra lembrança a entrar: a da volta da escola em dias de chuva. Eu caminhava próxima às bordas das calçadas, onde a água corre parecendo um riacho, fazendo splash - splashsplash (será esta uma onomatopeia correta?) a cada pisada. E quando passava embaixo das árvores, chacoalhava seus galhos para “chover” mais ainda em cima de mim! Doces tempos em que os rios e tempestades que enfrentávamos eram apenas simulações, improvisações, espetáculos inundados...

Outra: o primeiro beijo que dei em alguém (É claro que lembro seu nome, seu endereço, seu cheiro...) que acreditei amar para sempre. Chovia a cântaros nesse dia (Gosto desta palavra: cântaros, pois me lembra sustância de água!). Era inverno, minha segunda estação preferida, mas dentro do carro seus lábios eram quentinhos, fofos, macios... Doces tempos em que acreditávamos que era possível amar apenas uma única e definitiva vez e mais, que essa palavra – que termina em /ar/ – não rimaria nunca com dor, visto que esta termina em /or/... Quantas vezes é possível amar? Pergunto-me hoje, já muito muito distante desse dia. Confesso que vários outros amores já tive, várias outras dores já tive, mas meu pensamento, em dias como esse, pluvioso, volta e meia teima em lembrar desse primeiro amor. Esperando, talvez, que nos fios de chuva que do céu escapam, ele talvez se (des)enrosque de/em minha vida.

Fechemos a porta. Deixemos a chuva, lá fora, fluir: quieta, mansa e encharcada de passado.

Abraços! Seja feliz!

Rosangela Marquezi
Professora de formação e atuação, mas colecionadora de chuvas por opção.



DICAS DA SUSTÂNCIA


1. Leia o poema “Caso pluvioso”, do grande Carlos Drummond de Andrade, no qual ele nos conta sobre Maria e sua insistência em chover. Um pedacinho: “A chuva me irritava. Até que um dia / descobri que Maria é que chovia. / A chuva era Maria. / E cada pingo / de Maria ensopava o meu domingo. / [...] Ela chovia em mim, em cada gesto, / pensamento, desejo, sono, e o resto. / Era chuva fininha e chuva grossa, / matinal e noturna, ativa... Nossa!”.


2. Assista “Cantando na chuva”, filme de 1952, protagonizado por Gene Kelly, Jean Hagen, Donald O’Connor e Debbie Reynolds. A história do filme se passa em 1927 e retrata como foi a passagem do cinema mudo para o falado. Sem esquecer de citar, é claro, as músicas e danças maravilhosas que fizeram e fazem de “Cantando na chuva” um clássico memorável!


3. Leia (Mas, leia!) “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez – um dos principais autores do Século XX. A história, que retrata a família Buendía e a mítica cidade de Macondo, é permeada de chuva! “Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias. Houve épocas de chuvisco em que todo mundo pôs a sua roupa de domingo e compôs uma cara de convalescente para festejar a estiagem, mas logo se acostumaram a interpretar as pausas como anúncios de recrudescimento.” Mas atenção! Isso é apenas pano de fundo para uma das mais belas histórias escritas por El Gabo!


4. Ouça “This Blue World”, da banda britânica Elbow e se encante.

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Sustância, que tem origem no latim com a palavra substantia (substância) e significa, dentre outros: a parte mais nutritiva dos alimentos, o que é absolutamente indispensável para a manutenção da vida (sustança), destina-se a reflexões “sustanciais”!

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