E a primeira lembrança que hoje
adentrou por essa porta, foi a dos banhos de chuva de criança... Tempo em que
me encharcava sem medo de resfriado, gripe, pneumonia... Doces tempos em que os medos que tínhamos eram, por exemplo, apenas do
chinelo da mãe, que aparecia magicamente quando entrávamos em casa em pleno
estado líquido.
Outra lembrança a entrar: a da volta
da escola em dias de chuva. Eu caminhava próxima às bordas das calçadas, onde a
água corre parecendo um riacho, fazendo splash
- splash – splash (será esta uma
onomatopeia correta?) a cada pisada. E quando passava embaixo das árvores,
chacoalhava seus galhos para “chover” mais ainda em cima de mim! Doces tempos em que os rios e tempestades
que enfrentávamos eram apenas simulações, improvisações, espetáculos inundados...
Outra: o primeiro beijo que dei em
alguém (É claro que lembro seu nome, seu endereço, seu cheiro...) que acreditei
amar para sempre. Chovia a cântaros nesse dia (Gosto desta palavra: cântaros,
pois me lembra sustância de água!). Era
inverno, minha segunda estação preferida, mas dentro do carro seus lábios eram
quentinhos, fofos, macios... Doces tempos
em que acreditávamos que era possível amar apenas uma única e definitiva vez e
mais, que essa palavra – que termina em /ar/ – não rimaria nunca com dor, visto
que esta termina em /or/... Quantas vezes é possível amar? Pergunto-me hoje, já
muito muito distante desse dia. Confesso que vários outros amores já tive,
várias outras dores já tive, mas meu pensamento, em dias como esse, pluvioso,
volta e meia teima em lembrar desse primeiro amor. Esperando, talvez, que nos
fios de chuva que do céu escapam, ele talvez se (des)enrosque de/em minha vida.
Fechemos a porta. Deixemos a chuva, lá
fora, fluir: quieta, mansa e encharcada de passado.
Abraços!
Seja feliz!
Rosangela Marquezi
Professora de formação e atuação, mas
colecionadora de chuvas por opção.
DICAS DA SUSTÂNCIA
1. Leia o poema “Caso pluvioso”, do
grande Carlos Drummond de Andrade, no qual ele nos conta sobre Maria e sua
insistência em chover. Um pedacinho: “A chuva me irritava. Até que um dia / descobri que Maria é que chovia. /
A chuva era Maria. / E cada pingo / de Maria ensopava o meu domingo. / [...]
Ela chovia em mim, em cada gesto, / pensamento, desejo, sono, e o resto. / Era
chuva fininha e chuva grossa, / matinal e noturna, ativa... Nossa!”.
3. Leia (Mas,
leia!) “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez – um dos principais
autores do Século XX. A história, que retrata a família Buendía e a mítica cidade
de Macondo, é permeada de chuva! “Choveu durante quatro anos, onze meses
e dois dias. Houve épocas de chuvisco em que todo mundo pôs a sua roupa de
domingo e compôs uma cara de convalescente para festejar a estiagem, mas logo
se acostumaram a interpretar as pausas como anúncios de recrudescimento.” Mas
atenção! Isso é apenas pano de fundo para uma das mais belas histórias escritas
por El Gabo!
4. Ouça “This Blue World”, da banda
britânica Elbow e se encante.
_________
Sustância, que tem origem no latim com
a palavra substantia (substância) e
significa, dentre outros: a parte mais nutritiva dos alimentos, o que é
absolutamente indispensável para a manutenção da vida (sustança), destina-se a
reflexões “sustanciais”!
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