quarta-feira, 24 de abril de 2024

Sobre "Os enredos forçados da vida..."

Assisti, por indicação de uma ex-aluna, agora professora e "dorameira", a série coreana Hae Ryung - a historiadora, do gênero histórico/Drama/Comédia/Política... Como praticamente toda produção asiática, tem romance (e eu gosto!). Mas, o importante nessa série, em especial, é a quebra de paradigmas em relação ao papel da mulher na sociedade.



A protagonista, Goo Hae Ryung (Shin Se Kyung), não quer casar, quer ter um emprego, ser independente... Isso, no começo do século XIX, que é quando se passa a história, o que vai “contra” as regras da sociedade patriarcal e machista daquele momento e daquele país, Coreia do Sul, e - infelizmente - de todos os outros momentos e de todos os outros países, inclusive o nosso.

Além disso, muito interessante é que o “mocinho”, Yi Rim (Cha Eun Woo), é sensível, se emociona, quer ser escritor de romances (e escreve!) e não príncipe... Nada do estereótipo de cavalheiro com espada na mão, tão comum para as histórias de época!

Várias questões me chamaram a atenção no decorrer da trama, dentre elas a influência do mundo ocidental que começa a entrar no mundo oriental e a resistência do tradicionalismo, e percebam que não estou falando de aculturamento e tampouco do lado "bom" em se manter a tradição, mas sim dos que - em virtude de falsos ou moralistas discursos - tudo fazem para evitar a entrada do novo, do diferente... Isso aparece fortemente na série quando há um surto de varíola e um grupo começa a “vacinar” as pessoas inoculando nelas pus de lesões de pessoas contaminadas, a partir de orientações que alguns haviam adquirido de um médico ocidental que por lá esteve. Mesmo tendo provas de que funcionava, o “tradicionalismo” arraigado não quer permitir a cura... 

(Um breve aparte para a história da vacina: o médico inglês Edward Jenner, em 1796, "inventou" a vacina, após inocular em um menino saudável pus da mão de uma mulher que havia contraído a varíola bovina. Essa mulher era ordenhadeira e Jenner havia percebido que essas mulheres eram imunes à varíola humana. O menino acabou contraindo varíola, de uma forma bem amena. Alguns meses depois, ele inoculou nesse mesmo menino o vírus da varíola humana e ele não contraiu a doença, provando que havia se tornado imune. Estava criada a vacina - do latim vaccinae, vacca, que significa "da vaca" ou "relativo à vaca". Na época, Jenner enfrentou o famoso "negacionismo" em seu país... Foi preciso que médicos de outros países fizessem uso desse método e curassem as pessoas para que ele fosse reconhecido!)


(Mais um breve aparte: Isso me fez lembrar dos atuais tempos, em que há uma forte resistência do povo contra as vacinas que estão sendo criadas para nos imunizar contra a COVID-19... Principalmente, se a vacina for a da China - olha o tradicionalismo de novo aí!). Enfim...como afirma um grande sábio, o Sr. Ditado Popular, “Jacu escassa, mas não acaba”!)

Contudo, essas são outras, mas não menos importantes, searas (do céltico "senăra" 'campo que se lavra à parte', de acordo com o Dicionário Houaiss)... 

E, então, volto ao que apenas eu queria refletir neste texto: uma fala da protagonista, dita após ela ouvir uma história do mundo ocidental, a história da Rapunzel, popularizada na versão dos Irmãos Grimm. Eis a fala (grifo meu):

"Na verdade, não me identifiquei muito. Eu sei que é ficção, mas não acha o enredo muito forçado? É improvável ter o cabelo maior que você, mesmo deixando crescer a vida toda. Como o cabelo dela pode ir da torre até o chão? Ela é uma deusa de 500 anos por acaso? Bela coisa nenhuma. É uma história bem cruel. Quando você se penteia e puxa uma mecha de cabelo, o couro cabeludo já dói tanto. E um homem sobe pelo cabelo dela? Quando o príncipe chegar lá em cima, ou vai encontrá-la desmaiada por causa da dor, ou com o pescoço quebrado devido ao peso."

E, ao trazer essa fala, espero que possamos refletir que está mais do que na hora de a gente reler/rever/reescrever essas histórias de submissão das mulheres, para que isso não se perpetue na mente de tantas crianças, principalmente as meninas, que acabam sendo criadas “vestidas de rosa” e à espera de que alguém venha salvá-las! Quando falo "vestidas de rosa" não estou falando necessariamente da cor, até porque eu amo rosa, mas em todas as ideologias que acompanham essa ideia!

Quiçá, um dia, possamos “ler” muitas dessas histórias que tentam "moldar" as mulheres apenas como ficção mesmo, e não como retratos de uma época! 

Façamos nosso próprio salvamento!

Abraço. Seja feliz.

Rosangela Marquezi
Professora por formação e atuação, mas espectadora de boas séries por opção


Pato Branco, 04 de novembro de 2020.


Dicas da Sustância


1. Assista Hae Ryung - A Historiadora (2019), série sul-coreana que se passa no período histórico da Dinastia Joseon, no período de 1800 (Século XIX). É uma história que tem romance, drama, comédia, política, mas, sobretudo, a firme e importante presença da mulher que não se submete a seguir padrões pré-estabelecidos. A história gira em torno de jogos de poder que envolvem a família real e a luta de Hae Ryung, a protagonista, em ser uma historiadora, cargo que era do domínio masculino. São 16 episódios dirigidos por Kang Il Soo e Han Hyun Hee, com roteiro de Kim Ho Soo. Nos papeis principais, a atriz Shin Se Kyung e o ator e cantor (Astro) Cha Eun Woo.

2. Assista ao filme da Disney Enrolados (2010), uma versão que subverte os clichês da famosa história de Rapunzel. Em roteiro assinado por Dan Fogelman, nessa versão o conservadorismo fica de fora, mostrando uma garota adolescente – e como tal com alterações frequentes de humor – que é hiperativa mesmo estando confinada na torre. Ah, e ela não é uma protagonista que fica apenas esperando o seu príncipe encantado para então “jogar as tranças”. Não há, contudo, no filme, um desprendimento total dos “valores e ações” atribuídos às mulheres, mas já é um bom começo, pois dá uma certa atemporalidade à história, mostrando que mulheres podem e devem construir seu próprio caminho, mesmo vivendo um grande amor.

* Sobre Rapunzel: a versão mais conhecida é dos Irmãos Grimm (1812), mas os contos que eles escreveram foram baseados em outros tantos já existentes na tradição oral. Alguns até já haviam sido escritos, mas com diferenças significativas. Em 1634, o italiano Giambattista Basile havia escrito Petrosinella e, em 1698, a francesa Charlotte-Rose de Caumont de La Force, escreveu Persinette (1698). Ambas as histórias têm o mesmo mote de Rapunzel.

3. Veja a pintura maravilhosa de Vincent van Gogh, A noite estrelada (1889). No filme que indiquei acima, Enrolados, logo no início, vemos a protagonista, Rapunzel, pintando. Uma de suas pinturas lembra muito essa obra de van Gogh, que retrata a vista de uma janela de um quarto de sanatório, onde ele estava internado (voluntariamente), pouco antes do nascer do sol... Quem já leu sobre a vida de van Gogh, consegue compreender a visão do artista exposta neste quadro (mesmo não estando à venda, pois está no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, desde 1941, estima-se que o valor deste quadro seja “algo” em torno de 100 milhões de dólares...).


Fonte: MoMa (no site, você pode visualizar em 3D a obra!)



4. Leia Os sofrimentos do jovem Werther, do famoso escritor alemão Goethe, e que é lido, de forma até irônica, pela protagonista no início de Hae Ryung - A Historiadora, a algumas mulheres. A ideia, penso eu, é justamente mostrar que ela, a protagonista, não se renderia a um tipo de amor insano como esse. Ao término da leitura, uma das mulheres que a ouviam pergunta, indignada: “Você leu uma história em que o casal nem termina junto?”, ao que Hae Ryun responde: “Ver um jovem e tolo Werther acabar com a própria vida por causa de sentimentos fugazes nos ensina que não devemos viver assim. Onde mais aprender uma lição tão valiosa?”

Mas por que, então, indico a leitura desse livro? É que Os sofrimentos do jovem Werther é a obra que dá início ao movimento do Romantismo na Europa. A história, apesar de o autor ter tido o cuidado de não colocar nomes e lugares conhecidos, possui, segundo pesquisadores, tons autobiográficos. Nela, Werther, um jovem soldado, apaixona-se por uma mulher que já está prometida a outro homem. Mesmo depois de casada, ele continua apaixonado. Para ele, a vida só tem sentido se for para viver com sua amada. Não podendo consumar este amor, ele opta por tirar a própria vida (É esta parte do livro que Hae Ryung está lendo, no início do primeiro episódio). O livro é considerado o primeiro best-seller da literatura europeia. Uma curiosidade: Napoleão Bonaparte, em depoimento ao próprio Goethe, em 1808, disse que o leu 7 vezes!



segunda-feira, 10 de abril de 2017

Sobre amores solitários...


Um dia desses, frente a uma taça de um delicioso vinho branco italiano, uma amiga disse: “Vamos fazer um brinde diferente! Vamos brindar aos solitários amores vividos”! Solitários amores vividos... Essa expressão tem peso e verdade. Quem nunca solitariamente amou? Seja algum amor não correspondido, seja algum amor a dois solitário...

Amor não correspondido é muito mais comum. Se eu der uma olhadinha para o passado logo encontro algum perdido em alguma esquina da memória. Lembro até do primeiro... Eu devia ter uns 11 anos de idade e ele era meu colega de escola... Amor de criança, nem era ainda adolescente. Chamava-se Jair. Um dia, chorei no colo de minha mãe falando dele... Ele nem olhava pra mim... Passou. Foi simples. 

Outros vieram... O irmão da melhor amiga da adolescência... Mais velho e que nem olhava pra mim também (Ah... Como o olhar – nesse caso, o não olhar, fala); O Charlie, dos Menudos, meu primeiro crush musical...;  O primo bonito, bem mais velho; O professor de X disciplina, recém-formado, do Ensino Médio... Ultrapassam os dedos para contar... Tantos amores. Com o olhar de agora, entendo que não foram amores... Mas vai dizer isso para aquele coração sofrido de outrora...

Amor a dois solitário é outra história... É muito mais dolorido. Porque você viveu aquele amor. O olhar foi correspondido, mas não da forma como você talvez esperasse. É amor/paixão que entra não de forma sorrateira, mas avassaladora. E você vive e você sonha e você constrói e você chora (Mas você também se recupera!). J.R. era/é seu nome. Era um amor solitário. Hoje, quando penso nele, como nesse momento de escrever essas reflexões, tenho mais certeza ainda disso... Era vivido, mas não compartilhado, não exposto, não retribuído de forma equânime... Eu terminei. Não porque não o amava, mas porque era solitário amar assim. Chorei no ombro de amigas, fiz terapia, esqueci, lembrei, esqueci, lembrei, procurei... E vi que continuava sendo solitário. Então, resolveu-se (E é só em horas de vinho tinto com amigos que ele me vem à memória – ou agora...). 

Outros grandes amores solitários ficaram marcados... Ficaram no tempo... Ficaram na pele... Ficaram na memória... Esvaneceram... Morreram... (?). 

Outros, talvez não com a mesma intensidade desses, podem ser assunto para outro dia...

Reflito sobre isso porque, no momento, tenho tempo... O coração está vazio. E é engraçado ter o coração vazio. Porque é solitário também. O coração, não a vida. Esta é boa, segue em frente, é feliz, é triste, dança, chora, briga, come pudim, bebe vinho. E reflete de vez em quando.


Abraços, seja feliz.

Rosangela Marquezi

 DICAS da SUSTÂNCIA


1. Leia o poema “Só tu”, de Paulo Setúbal, poeta lá do início do Século XX, o qual transcrevo (pedindo perdão por adaptar para o masculino...), para facilitar a leitura:

Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram,
Já não me lembro, nem sei...
São tantos os que me amaram!
São tantos os que eu amei!

Mas tu – que rude contraste!
Tu, que jamais me beijastes,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nesta alma ficaste,
De todos os que amei...”

In: “Alma Cabocla” (Moita de Rosas), 1920.


2. Ouça “Are you lonesome tonight?, do Elvis Presley. Porque é linda, e fala de amor e da solidão que este causa. E porque Elvis não morre(u) nunca!

“Is your heart filled with pain, shall I come back again?
Tell me dear, are you lonesome tonight?”


3. Leia “Persuasão”, de Jane Austen. A história de Anne que, jovem, se apaixona por Frederick Wentworth, mas é “convencida” pela família que ele não é a pessoa certa, e que mais tarde retorna para sua vida, celebra a introspecção de uma forma comovente, que nos faz torcer pelo amor.

Seus sentimentos em relação a um primeiro e sólido vínculo afetivo; frases iniciadas que ele não conseguia terminar, seus olhares meio esquivos e sua expressão mais do que um pouco significativa, tudo, tudo afirmava que seu coração no mínimo estava voltando a considerá-la, que a raiva, o ressentimento, o desejo de evitá-la haviam desaparecido, e que tinham sido sucedidos não somente por amizade e apreço, mas pela mesma ternura do passado."


4. Leia “Pássaros Feridos” (1977), da escritora australiana Colleen McCullough, se você quiser realmente entender o significado de amores solitários vividos... A história de amor de Ralph, que é padre, e Maggie é uma das mais bonitas e solitárias... É um romance épico e bem estruturado. Assista: o livro foi transformado em minissérie em 1984 (4 episódios) pela rede britânica ABC e no Brasil passou no SBT, chegando a ultrapassar a Globo em ibope. Ganhou 4 Globos de Ouro e 5 Emmys. A última reapresentação no Brasil foi o ano passado (2016), pela Rede Brasil de Televisão.

Existe uma lenda acerca de um pássaro que só canta uma vez na vida, com mais suavidade do que qualquer outra criatura sobre a Terra. A partir do momento em que deixa o ninho, começa a procurar um espinheiro, e só descansa quando o encontra. Depois, cantando entre os galhos selvagens, empala-se no acúleo mais agudo e mais comprido. E, morrendo, sublima a própria agonia e solta um canto mais belo que o da cotovia e o do rouxinol. Um canto superlativo, cujo preço é a existência. Mas o mundo inteiro para para ouvi-lo, e Deus sorri no céu. Pois o melhor só se adquire à custa de um grande sofrimento”.

segunda-feira, 13 de março de 2017

Sobre verter...







Do latim “vertere”, a palavra verbo “verter” me dá prazer ao pronunciá-la. Dentre diversos significados, reais ou figurados, gosto de: “fazer ou deixar um líquido transbordar; sair com força ou jorrar; deixar sair de si; desaguar...”

E é em um desses sentidos (ou mais) que me surgiu esse pequeno poema, “Verto”... Em um dia no qual os céus vertiam abundantemente água! 

E como poema apenas se sente, não faço reflexões acerca de “verter”, mas não resisto, ao final, em dar as dicas da Sustância para uma semana prazerosa!




VERTO

                                               Como água que se derrama,
                                               verto!
                                               
                                               Caminhos lisos
                                               Escorregadios e silenciosos,
                                               Sinuosos e macios,
                                               Levam-me a certo/incerto rumo
                                               Dentro em ti.

                                               Como ponto findável,
                                               de um certo veio desconhecido
                                               Que caminhos procura,
                                               para se dar em jorro vertente
                                               Desaguo em mim.

Abraços! Seja feliz!

Rosangela Marquezi
Professora de formação e atuação, mas desaguadora de palavras por opção


DICAS da Sustância


1. Ouça “Água viva”, do eterno Raul Seixas, pois ele conhece [...] “bem a fonte / que desce daquele monte / ainda que seja de noite”!

2. Deleite-se com o poema “Grita”, de Pablo Neruda – e se tiver fôlego recomendo todo o livro “Crepusculário” (1923), que é o primeiro livro de poemas desse magnífico poeta – vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, em 1971. Segue um excerto para dar vontade: “Quando chegares, Amor / à minha fonte distante, / desvia-me as vertentes, / aperta-me as entranhas”.

3. Sonhe em tornar-se um rio com o livro infantil “Uma estrada junto ao rio” (1985), de Marina Colasanti. Nele, Marina nos conta a história interessante de uma estrada que não estava contente em ser estrada... E começa a querer ser o rio que passava próximo... Mas conseguirá ela ser feliz sendo o que não é? Vale a pena a leitura para descobrir!!

4. Leia “Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos”, de Zygmunt Bauman, autor recentemente falecido. Nesse livro, ele fala sobre as inseguranças dos relacionamentos atuais, em que preferimos viver amores na “rede” – podendo terminar a qualquer momento – do que na vida real.  Segundo Bauman, se torna cada dia mais fácil falar “eu te amo”,  sem realmente amarmos... Essa palavra – amor – está perdendo a importância, pois a maioria nem sabe o que sente, e a usa indiscriminadamente.

5. Leia “A morte e a morte de Quincas Berro d’Água”, de Jorge Amado. O livro não é sobre vertentes, nem águas, mas essa relação meio que metafórica de ele morrer de boca fechada para que não lhe entrasse água no corpo – visto que neste só podia entrar cachaça, é muito divertida. Pequeno trecho do livro, em que lhe enganam... 

Sobre o balcão viu uma garrafa, transbordando de límpida cachaça, transparente, perfeita. Encheu um copo, cuspiu para limpar a boca, virou-o de uma vez. E um berro inumano cortou a placidez da manhã no Mercado, abalando o próprio Elevador Lacerda em seus profundos alicerces. O grito de um animal ferido de morte, de um homem traído e desgraçado: – Águuuuua!”.


terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Sobre vacas...



Uma amiga, Alice (não a do País das Maravilhas, mas mesmo assim uma maravilha de pessoa), me instigou, recentemente, a escrever sobre “vacas”... Não no sentido pejorativo da palavra (que por sinal nem deveria existir!), mas no seu sentido literal, em estado de dicionário na primeira acepção, pois ela se lembrou da minha paixão por esses animais. Aceitei o desafio e seguem, então, algumas reflexões que espero sejam sustanciosas:

1. A primeira que me ocorre refere-se justamente à definição da palavra. Em praticamente todos os dicionários, você encontrará, no sentido primeiro, literal: “Vaca é a fêmea do boi”! Espera... Um ser tão belo, único na sua individualidade, relegado a ser apenas “a fêmea”? E se você procurar boi, não vai encontrar como “o macho da vaca”, mas como: “Animal mamífero artiodáctilo, ruminante, do gênero Bos, da família dos bovídeos”, etc. E nem precisa ser feminista engajada, de desfilar com soutiens na mão, para não perceber o quanto os dicionários e, portanto, as palavras, são machistas – é só vermos a famosa discussão sobre Presidente/Presidenta! Direitos iguais já às vacas!!

2. Já tive uma grande coleção de objetos em que a vaca era o principal elemento: canecas, pratos, bichos de pelúcia, fotografias, prendedor de recados, pijama, calcinha, soutien, adesivos... Eu sempre me identifiquei com esse animal artiodáctilo, invejando sua mansidão no pastar solenemente nos campos... Costumo brincar com meus amigos dizendo que, se eu acreditasse em vidas passadas, eu certamente já teria sido uma vaca: passar oito horas por dia comendo, mais oito ruminando e oito dormindo – eis um sonho de vida! Salientando: quando penso no “ruminar”, penso em sonhos feitos e desfeitos; penso em carícias e desejos, que voam espalhados pelos mugidos...

                                  “Na solidão da noite
                                  uma vaca, uma abençoada
                                  vaca
                                  muge:
                                  o seu mugido é um rio de veludo morno,
                                 voz de mãe e de amante: quente e cariciosa...”
 - Mario Quintana

Vamos comer, ruminar e dormir! 


3. Outra questão: não seria interessante termos uma vida mais saudável? Dizem os estudiosos que uma vaca mastiga em torno de 50 vezes por minuto (Tenho um amigo muito muito querido que mastiga umas 60 vezes por minuto!!), o que a leva – a vaca (!) – certamente, a apreciar muito mais a comida (Mas isso também acontece com meu amigo, que é um excelente apreciador de comida!). Ah! E podem consultar os manuais de zoologia por aí para conferir: dizem que elas bebem em torno de 8,5 litros de água para cada litro de leite que produzem. Não sei a média de uma vaca normal, mas sei que tem umas que dão até 20 litros de leite/dia. Multipliquem por 8,5... Se beber água é saúde, haja saúde em uma vaca!! Por isso, talvez, que elas dificilmente sofram (creio eu) de constipação, prisão de ventre... Todo dia estão lá, belas e felizes, com seus 40-50 kg de esterco bem produzidos...


4. Dizem também que as vacas (pasmem!) têm amigas, e melhores amigas(!), e que quando separadas sofrem de estresse... Isso acontece comigo. Quando me reúno com minhas BFF, e conversamos e rimos e bebemos e comemos e falamos dos homens, me sinto renovada, com a alma e o corpo leves. Inclusive, é possível afirmar que algumas amizades são bem menos estressantes que alguns relacionamentos amorosos.


5. Hoje, assim como alguns relacionamentos amorosos, os objetos que eu colecionava estão no passado ou no lixo... Restaram poucos... Uma pequena vaca francesa de prender recados, que fica na minha mesa de trabalho; um jogo de xícaras para cafezinho, que uso quando recebo amigos; duas ou três vaquinhas canadenses que enfeitam meu presépio no final de ano... Precisamos nos desapegar! As vacas verdadeiras estão aí para provar que andar mais levemente na vida, sem grandes preocupações ou perturbações, é a melhor maneira de se viver! Comer, ruminar e dormir!


Abraços! Seja feliz!


Rosangela Marquezi
Professora de formação e atuação, mas apreciadora de vacas por opção.


Dicas da Sustância



1. Leiam “A história da vaca Glória”! Um conto infantil, escrito por Paul Maar, que conta a história de Glória, que desde criança não queria ser apenas mais uma vaca leiteira... Queria ser uma artista, cantora e bailarina... História lindíssima! Procurem na Internet, caso não encontrem mais o livrinho à venda.


2. Assistam ao filme argentino “Um conto chinês”, de 2011, estrelado, é claro, pelo meu crush cinematográfico argentino, Ricardo Darín! O filme é uma comédia (com toques de humor negro) e parte de uma história verídica: uma vaca que cai do céu (literalmente). Assisti na Netflix! Não fui conferir se ainda está no catálogo! Corre lá!!


3. Leiam “A lei da Fazenda” (1998), romance de estreia da norte-americana Laura Zigman, em que a autora analisa o comportamento amoroso masculino a partir da seguinte analogia: o homem é o touro que sempre procura uma vaca nova... O livro, divertido e irônico, inspirou o filme “Alguém como você” (2001), estrelado por Ashley Judd (Jane) e um outro crush cinematográfico meu: Hugh Jackman (Eddie). Eu assisti em DVD (na década passada!!)! Vale a pena conferir a “Teoria da Vaca Nova”.


4. Ouçam o álbum “Atom Heart Mother”, de Pink Floyd, conhecido como o “Disco da Vaca”. Por que ouvir? Porque tem uma vaca na capa (a Lullubelle III) e porque é Pink Floyd e esse álbum marca uma nova fase da banda!


5. Leiam a prosa poética de “A vaca e o Hipogrifo” (1977), de Mario Quintana, poeta gaúcho de extremo lirismo. Um livro gostoso de ser lido e degustado:

                           “Ora, Maria, o meu mundo é de
                            temperaturas,
                            tensões
                            fulgurações.
                            Eu nada tenho a ver com os sentimentos humanos!
                            Por que que tu não és uma vaca, Maria?
                           Por quê?
                           Ficaria tudo muito mais simples e verdadeiro...”


6. Visitem, ou acompanhem pela Internet, a partir de 26 de abril deste ano (2017), em São Paulo, a 10ª edição da Cowparade Brasil, o maior evento de arte de rua do mundo, em que artistas têm a chance de mostrarem seu talento em uma escultura de vaca, em tamanho natural, feita em fibra de vidro. Informe-se no sítio: <cowparade.com.br>. 



6. Ouçam, por fim, a canção da banda britânica Elbow: “One Day Like This”. Não é sobre vacas, mas tem a expressão “holy cow”, que é boa de usar (algo como um “puta merda” nosso!), e cuja letra, quando ouço, me faz pensar na tranquilidade vivida pelas vacas.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Sobre dias chuvosos...



Sempre tive uma relação amorosa com a chuva. Gosto tanto dela que chego a sentir que faz parte de mim. Acho que ela é mágica e possui diferentes faces. Hoje, enquanto escrevo estas linhas, está calma, fria e cinzenta. E quando de uso dessa face, tem o poder de abrir uma porta imaginária e deixar o passado entrar – como um mágico ser. Comigo sempre acontece isso!

E a primeira lembrança que hoje adentrou por essa porta, foi a dos banhos de chuva de criança... Tempo em que me encharcava sem medo de resfriado, gripe, pneumonia... Doces tempos em que os medos que tínhamos eram, por exemplo, apenas do chinelo da mãe, que aparecia magicamente quando entrávamos em casa em pleno estado líquido.

Outra lembrança a entrar: a da volta da escola em dias de chuva. Eu caminhava próxima às bordas das calçadas, onde a água corre parecendo um riacho, fazendo splash - splashsplash (será esta uma onomatopeia correta?) a cada pisada. E quando passava embaixo das árvores, chacoalhava seus galhos para “chover” mais ainda em cima de mim! Doces tempos em que os rios e tempestades que enfrentávamos eram apenas simulações, improvisações, espetáculos inundados...

Outra: o primeiro beijo que dei em alguém (É claro que lembro seu nome, seu endereço, seu cheiro...) que acreditei amar para sempre. Chovia a cântaros nesse dia (Gosto desta palavra: cântaros, pois me lembra sustância de água!). Era inverno, minha segunda estação preferida, mas dentro do carro seus lábios eram quentinhos, fofos, macios... Doces tempos em que acreditávamos que era possível amar apenas uma única e definitiva vez e mais, que essa palavra – que termina em /ar/ – não rimaria nunca com dor, visto que esta termina em /or/... Quantas vezes é possível amar? Pergunto-me hoje, já muito muito distante desse dia. Confesso que vários outros amores já tive, várias outras dores já tive, mas meu pensamento, em dias como esse, pluvioso, volta e meia teima em lembrar desse primeiro amor. Esperando, talvez, que nos fios de chuva que do céu escapam, ele talvez se (des)enrosque de/em minha vida.

Fechemos a porta. Deixemos a chuva, lá fora, fluir: quieta, mansa e encharcada de passado.

Abraços! Seja feliz!

Rosangela Marquezi
Professora de formação e atuação, mas colecionadora de chuvas por opção.



DICAS DA SUSTÂNCIA


1. Leia o poema “Caso pluvioso”, do grande Carlos Drummond de Andrade, no qual ele nos conta sobre Maria e sua insistência em chover. Um pedacinho: “A chuva me irritava. Até que um dia / descobri que Maria é que chovia. / A chuva era Maria. / E cada pingo / de Maria ensopava o meu domingo. / [...] Ela chovia em mim, em cada gesto, / pensamento, desejo, sono, e o resto. / Era chuva fininha e chuva grossa, / matinal e noturna, ativa... Nossa!”.


2. Assista “Cantando na chuva”, filme de 1952, protagonizado por Gene Kelly, Jean Hagen, Donald O’Connor e Debbie Reynolds. A história do filme se passa em 1927 e retrata como foi a passagem do cinema mudo para o falado. Sem esquecer de citar, é claro, as músicas e danças maravilhosas que fizeram e fazem de “Cantando na chuva” um clássico memorável!


3. Leia (Mas, leia!) “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez – um dos principais autores do Século XX. A história, que retrata a família Buendía e a mítica cidade de Macondo, é permeada de chuva! “Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias. Houve épocas de chuvisco em que todo mundo pôs a sua roupa de domingo e compôs uma cara de convalescente para festejar a estiagem, mas logo se acostumaram a interpretar as pausas como anúncios de recrudescimento.” Mas atenção! Isso é apenas pano de fundo para uma das mais belas histórias escritas por El Gabo!


4. Ouça “This Blue World”, da banda britânica Elbow e se encante.

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Sustância, que tem origem no latim com a palavra substantia (substância) e significa, dentre outros: a parte mais nutritiva dos alimentos, o que é absolutamente indispensável para a manutenção da vida (sustança), destina-se a reflexões “sustanciais”!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Sobre ser gorda...




Recentemente, uma situação me deixou pensativa sobre o fato de estar “acima do peso”, ou simplesmente de ser gorda (Gosto da palavra gorda! Ela me dá a sensação de uso de plenitude labial. Fale a palavra... Ela não parece preencher espaços? Sei lá... Mario Quintana é quem deveria ter escrito sobre isso... Acho que lhe passou batido).

Logo após o Miss Universo (na verdade, antes/durante/depois), transformaram a representante canadense nesse ser: gorda (E eu, como tantas, correndo para o Santo Google para fazer a pesquisa: como ser gorda como a Miss Canadá”)! E, eis que de repente não mais que de repente, as redes sociais se encheram de seres humaninhos dizendo “não é que eu seja gordofóbica, não... Mas é que para esse tipo de concurso não serve! Cadê o 90 – 60 – 90?” E nesse ouvir/ler descobri gente pertinho pertinho de mim com esse padrão estético tão endurecido e feroz.

E pensei cá com meus botões (muito embora, há tempos não use camisas de botão!): se esse ser humaninho acha uma miss canadense gorda, o que deve achar de mim? Cada vez que me olha, o que passa por sua linda e magra cabeça?

Atenção! Não estou me fazendo de coitadinha! Não precisa começar a escrever na minha timeline: “Rô, você não é gorda”. Eu sou. Já fui mais magra (nunca uma miss!), mas hoje sou assim: gorda. E observem que não quero fazer apologia ao tema, pois também não estou dizendo que amo ser assim – que o digam todas as nutricionistas que já consultei. Mas não me odeio, pois sou assim e, por ser, me aceito. Ontem fui diferente, amanhã posso ser outra, mas hoje, sou assim. Conviver com essas patrulhas estéticas por perto é que não é nada agradável, pois faz você se sentir de outro mundinho.

E faz também que você pense que só pode ser feliz quando for miss... “E eu quero”, como lindamente escreveu e canta Oswaldo Montenegro, “ser feliz agora”! Não amanhã. Quero ser feliz e amada hoje – e quando falo em amor, falo em desejar o bem, preocupar-se com o outro, sentir afeição por outrem.
Encerrando, uma historinha: um dia desses qualquer, meu sobrinho mais novo deu um apertão na minha barriga e disse: “Tia Rô, sua barriga é gorda”. Perguntei a ele se me amava menos por isso. Olhou-me confuso e respondeu rapidamente, querendo se redimir de algo errado que nem sabia que “era errado”: “Não. Mais!” É claro que ele não tem que me amar mais por isso , mas nem menos (Torço para que ele conserve esse olhar!). Assim deveria caminhar a humanidade!

Enfim... são reflexões de uma quarta-feira. Vamos viver a nossa vida, e deixar os outros viveram a sua? Não é tão difícil. Tente.

Ps.: Você sabia que até pouco tempo atrás, um dos então “donos” do evento Miss Universo escolhia pessoalmente cinco das quinze candidatas finalistas? Depois, ele mudou de ramo... Foi ser presidente de uma das maiores potências de nosso mundinho... Precisa invocar o nome daquele que não deve ser pronunciado? É só pesquisar!


Abraços. Seja feliz!

Sustância, que tem origem no latim com a palavra substantia (substância) e significa, dentre outros: a parte mais nutritiva dos alimentos, o que é absolutamente indispensável para a manutenção da vida (sustança), destina-se a reflexões “sustanciais”!

Rosangela Marquezi
Professora de formação e atuação, mas sonhadora de um mundo melhor por opção.

Sobre "Os enredos forçados da vida..."

Assisti, por indicação de uma ex-aluna, agora professora e "dorameira", a série coreana Hae Ryung - a historiadora , do gênero his...